Dia 19 de Novembro é celebrado o Dia do Empreendedorismo Feminino. Uma data que tem como objetivo trazer mais visibilidade às mulheres empreendedoras, que possuem barreiras que vão além dos obstáculos sentidos por todos os empreendedores.
Por isso, hoje estou trazendo um panorama do cenário do empreendedorismo feminino no Brasil, considerando, entre outras coisas, dados importantes sobre o mercado nos últimos dois anos - 2020 e 2021, período em que o Brasil (e o mundo) foi fortemente impactado pela pandemia COVID-19.
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Por que empreendedorismo "feminino" e não só "empreendedorismo"?
É comum pensarmos que a única diferença entre os dois termos é o fato de que, no empreendedorismo feminino, temos empresas e negócios comandados por mulheres. Mas a diferença vai muito mais além do que esse simples fator.
Primeiro, precisamos esclarecer uma coisa: quando falamos sobre "empreendedorismo", muitas vezes limitamos nosso pensamento à empresas e negócios "tradicionais" (escritórios, consultórios, startups, prestadores formais de serviços, etc), independente do porte. Mas em empreender é criar oportunidades de negócio à partir de uma necessidade do mercado e obter lucro / renda com essas ações. É extremamente importante entendermos essa definição, especialmente pelo cenário brasileiro atual, onde cada vez mais pessoas empreendem não por oportunidade, mas por necessidade, para sobreviverem.
No empreendedorismo feminino esse cenário é ainda mais forte. No último ano, como você poderá ver mais abaixo, mais mulheres do que homens passaram a empreender por necessidade: por precisarem complementar a renda da casa e sustentar a família, por dificuldade de entrar / retornar ao mercado de trabalho (lembrando que as mulheres foram as mais prejudicadas pela pandemia) e por diversos outros motivos.
O empreendedorismo feminino também é marcado por um outro fator importante: ele empodera mulheres, dá mais espaço e visibilidade para tratarmos questões de gênero e raça, oferece novas perspectivas e mais independência à mulheres (especialmente as que se encontram em relacionamentos abusivos) e impacta positivamente as comunidades - um estudo da Rede Mulher Empreendedora afirma que mulheres tendem à investir seus lucros diretamente na própria comunidade, na educação dos filhos e na contratação de outras mulheres.
Empreendedorismo feminino é, portanto, um movimento de independência, liberdade e transformação social.
A dona do comércio, a advogada autônoma, a mentora de novos negócios, são empreendedoras. Mas aquela que faz salgados e bolos por encomenda e é conhecida em sua comunidade, também. A revendedora de joias, a que produz sabão com suas filhas, a que vende doces na estação, a que possui uma loja de artesanato, a que faz bordados e pinturas, a que cuida dos pets quando você viaja...todas elas são empreendedoras.
Da mesma forma que as mulheres encontram diversas dificuldades no mercado de trabalho formal, elas também encontram dificuldades na vida empreendedora. Além dos obstáculos comuns à qualquer empreendedor, as donas de negócios têm mais dificuldade em gerenciar suas empresas (muitas vezes por falta de preparo), sentem mais insegurança, precisam equilibrar sua rotina entre as tarefas do negócio e os cuidados com a casa e a família e precisam lidar com o machismo diário e, em alguns casos, a falta de visibilidade (muito mais forte no caso de mulheres negras e periféricas).
Muitos são os motivos que explicam esse cenário, a maioria deles sendo fruto de uma história e de uma sociedade marcada pelo patriarcado e pela pouca presença das mulheres em ambientes de decisão econômica e política. Preconceito, autoconfiança, dupla jornada, dificuldade de acesso ao crédito e maternidade são alguns dos fatores que permeiam o dia a dia das mulheres empreendedoras.
Apesar do machismo e da grande desigualdade de gêneros, o Brasil se destaca no mundo por ter uma presença de mulheres empreendedoras muito grande, bastante similar ao número de homens empreendedores. Porém, as mulheres ainda enfrentam um ambiente social e empresarial menos acolhedor e menos favorável. Enquanto o número de empreendedores homens e mulheres são quase iguais na fase inicial, ou seja, nos primeiros anos do negócio, a presença feminina no mercado empreendedor sofre uma queda significativa na fase mais consolidada do negócio.
O preconceito e a autoconfiança andam de mãos dadas no empreendedorismo feminino. Ter sua capacidade diminuída ou questionada por ser mulher alimenta o sentimento constante de não ser boa o bastante, assim como aumenta consideravelmente o medo de falhar. A sensação é a de ter que se provar boa para o negócio que está começando o tempo inteiro. Homens são mais resistentes a esse sentimento que pode levar a autossabotagem. Uma pesquisa do GEM mostrou que cerca de 60% dos homens afirmam ter conhecimento, habilidade e experiência necessária para começar um negócio, contra 49% das mulheres.
Por todos esses fatores, diferenciar os termos "empreendedorismo" e "empreendedorismo feminino" é bastante importante. E é também por isso que, em 2014, a ONU estabeleceu o dia 19 de Novembro como o Dia do Empreendedorismo Feminino, para trazer mais visibilidade às mulheres empreendedoras e às suas dificuldades (que, como já vimos, vão muito além das dificuldades comuns entre empreendedores).
Os impactos causados pela pandemia COVID-19 no Empreendedorismo feminino
Os dados mencionados abaixo foram retirados da pesquisa realizada pela Rede Mulher Empreendedora entre setembro e outubro de 2020.
O perfil da mulher empreendedora no Brasil pandêmico:
O impacto negativo causado em negócios liderados por mulheres nos primeiros meses da pandemia:
20% das empresas tiveram suas atividades completamente paralisadas, contra 16% das empresas lideradas por homens. Isso se dá, entre questões como isolamento social, pelo fato de que as mulheres precisaram assumir com muito mais força o cuidado da casa, da família e de outras pessoas.
17% das mulheres afirmaram ter muito mais dificuldade em conciliar o trabalho e as tarefas domésticas, contra apenas 8% dos homens. Assim, além da paralisação de suas empresas, esse cenário também afetou muito mais a saúde mental das mulheres.
Por outro lado, 85% das empresas que pausaram suas atividades, acabaram retornado de forma integral, respeitando as medidas necessárias. Negócios liderados por homens tiveram 87% de retomada.
Nos primeiros meses da crise causada pela COVID-19, homens e mulheres buscaram soluções relativamente semelhantes para lidar com o problema, como digitalização, trabalho remoto, mudanças estratégicas e redução de despesas.
Porém, estatisticamente as mulheres deram mais prioridade à mudanças estratégicas para o negócio, enquanto os homens focaram em reduzir os custos e pedir empréstimos.
Os impactos positivos no cenário do empreendedorismo feminino:
59% das pesquisadas mencionaram terem desenvolvido mais resiliência (contra 49% dos homens).
56% das mulheres mencionaram terem aprendido mais sobre gestão estratégica (contra 49% dos homens).
Além disso, 36% das empreendedoras mencionaram que seu faturamento ou não foi muito impactado nos primeiros meses da pandemia, ou chegou a aumentar! Essa informação foi trazida por apenas 26% dos empreendedores.
90% das mulheres buscou algum tipo de apoio e capacitação, contra 80% dos homens.
Da capacitação através de cursos sobre empreendedorismo e gestão, 65% das empreendedoras realizaram investimentos nessa área, contra 53% dos empreendedores.
As mulheres também apresentaram maior taxa de formalização de seus negócios (62%) dos que os homens (47%).
O cenário do empreendedorismo feminino no Brasil em 2021
As informações abaixo foram retiradas da pesquisa realizada pela Rede Mulher Empreendedora entre maio e junho de 2021.
Mesmo com mais confiança, autonomia e independência, as principais dificuldades citadas pelas empreendedoras foram a venda de seus produtos / serviços e o acesso à recursos financeiros e crédito. 42% das participantes da pesquisa afirmaram que tiveram o acesso ao crédito negado por bancos e outras instituições financeiras.
Vale lembrar que essa dificuldade é bastante comum, apesar do fato de as empreendedoras pegarem empréstimos menores e serem mais adimplentes que os homens empreendedores. E, quando conseguimos o empréstimo, também pagamos juros maiores.
Para além da gestão do negócio, a pandemia também afetou diretamente a rotina diária das mulheres (o que não é nenhuma novidade). Mais de 50% das empreendedoras com filhos (especialmente as mães com filhos de 3 a 11 anos) disseram que o fechamento das escolas impactou, e muito, a rotina de trabalho.
79% das empreendedoras mencionaram que os cuidados com a casa e a família atrapalharam mais as empreendedoras do que os empreendedores.
Sobre a necessidade da digitalização por conta da pandemia:
62% das mulheres informaram que o processo de digitalização trouxe impactos positivos aos seus negócios.
Os aplicativos de mensagens e as redes sociais são as ferramentas mais utilizadas pelas empreendedoras. Também houve um crescimento considerável na criação de sites próprios e vendas online. Mais da metade das empreendedoras passaram a utilizar plaformas de e-commerce, site e blog próprios, redes sociais e apps de mensagem para gestão, divulgação e vendas.
O impacto do empreendedorismo feminino na comunidade:
Empreendedoras possuem o hábito de reinvestirem seus lucros não apenas na própria empresa, mas também na sua família, em suas comunidades e no apoio de outras mulheres.
45% dos negócios liderados por mulheres possuem um quadro de funcionários majoritariamente feminino (contra 21% das empresas lideradas por homens).
7 em cada 10 empreendedoras possuem sócias mulheres.
O empreendedorismo feminino e a violência doméstica:
34% das mulheres ouvidas sofreram algum tipo de agressão em relações conjugais.
Ao criarem seus próprios negócios, 41% delas conseguiram sair de relacionamentos abusivos e violentos.
81% das mulheres consultadas concordam que empreendedoras têm mais autonomia na vida, e que, por isso, são mais independentes em suas relações conjugais.
“De forma geral, as mulheres se sentem mais independentes, confiantes e seguras quando têm uma geração de renda própria, permitindo que ela mude sua condição dentro de relacionamentos abusivos”, comenta Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora.
O que podemos fazer para tornar o cenário empreendedor mais igualitário
Muitas das barreiras encontradas pelas mulheres, tanto na sociedade de forma geral quanto no cenário empreendedor, são questões estruturais. Por isso, é preciso que sejam desenvolvidas políticas e serviços multidimensionais.
Segundo o Empreender 360, diversas soluções que podem impactar positivamente os negócios liderados por mulheres estão distantes do empreendedorismo. Por exemplo, a educação aos homens sobre a responsabilidade com os cuidados da casa e da família, a facilidade de acesso à creches, a sensibilização dos homens sobre machismo e questões de gênero e o apoio ao desenvolvimento do empreendedorismo feminino. Esse último pode ser realizado através de educação gratuita sobre gestão e finanças, aumentar o acesso ao crédito à mulheres empreendedoras e diminuir os juros pagos pelos empréstimos.
Abaixo, incluo algumas soluções já desenvolvidas por organizações, citadas no Empreender 360, que podem ser reproduzidas e/ou ampliadas.
1. Aumentar o ingresso de mulheres no empreendedorismo
Políticas públicas de inclusão produtiva com recorte específico para mulheres permitem aumentar a criação de novos negócios. Podemos aqui pensar em negócios inclusivos como o projeto Kiteiras da Danone em parceria com a Aliança Empreendedora, que desenvolveu um novo canal de vendas porta-a-porta em Salvador e São Paulo para distribuir seus produtos com microempreendedoras locais.
Essas iniciativas são fortes também quando pensamos em apoiar grupos prioritários. Esse é o caso da Lei Ordinária nº 2.644, de 31 de julho de 2020 da Câmara de Manaus, que prevê um programa de inclusão de mulheres vítimas de violência.
2. Focar na autoestima e na quebra de preconceitos
Vimos que as mulheres, em média, estudam mais do que homens. Por essa razão, organizações que trabalham com educação empreendedora, ao pensar em soluções para mulheres, precisam considerar trabalhar a desconstrução de mitos sobre empreendedorismo e desenvolver a autoconfiança e o protagonismo das empreendedoras para além da gestão e da técnica.
A mesma dica vale para serviços de assessoria, mentoria e consultoria. Para estes, ainda recomendamos garantir uma equipe profissional que seja representativa do público–alvo. A conexão e a empatia entre empreendedora e especialista gerarão melhores resultados.
3. Definir condições e premissas que sejam justas para a realidade das mulheres
O microcrédito é muitas vezes negado, principalmente para empreendedoras de classe CDE, especialmente as informais. Precisamos que as instituições financeiras adaptem e/ou especializem suas ofertas, condições, juros e indicadores para que sejam realistas.
Vários bancos (como o Banco da Mulher Paranaense) e programas (como o CredCidadão no Pará) trabalham com essa linha de pensamento. Cabe à sociedade civil e o Poder Público fiscalizar e cobrar as entidades para que garantem os mesmos direitos e acessos entre homens e mulheres.
4. Aliviar possíveis perdas de renda com auxílio financeiro para soluções que requerem um certo investimento em tempo das mulheres
Participar de cursos, eventos, palestras, e pensar em inovação e estratégias para o negócio tira a empreendedora da produção e venda. Logo, soluções de inclusão empreendedora são percebidas como perda de dinheiro a curto prazo, em um contexto onde lucrar já é difícil. Por isso, é preciso pensar em bolsas integrais, ajuda de custo e auxílio financeiro que compensem essa perda e garantem que as empreendedoras não vão sair prejudicadas (a curto prazo).
Claro, existem muitas outras soluções como a inclusão digital, fomento de redes de mulheres e educação financeira, por exemplo.
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